Em uma de nossas aulas no Instituto La Lettre, o professor Fábio Teixeira, filósofo, psicanalista, doutor em Psicologia Social e Ética, trouxe para o debate o tema Inibição, Sintoma e Angústia, livro de 1926 de Sigmund Freud.
Escondidos por trás das máscaras dos perfis falsos nas redes sociais, no mundo contemporâneo, a impressão que temos, a priori, é que estamos todos desinibidos. Discursos de ódio, ghosting e cancelamento estão na ordem do dia com grandes repercussões na clínica psicanalítica. Todo mundo se sente potente no direito de dar “sua velha opinião formada sobre tudo” e de subir no palco virtual para fazer o tal do acting out, ao mesmo tempo que, no fundo, sabemos se tratar de um recurso pobre de significados e de consequências práticas, afinal, rede social é a nova “terra de Marlboro”.
Exceto se o vexame da cena for denunciado por um outro perfil (provavelmente também falso), a falta de inibição que as redes sociais proporcionam poderia reverberar em processos jurídicos. Ou seja, onde tudo é falso, é fácil ser verdadeiro. São esses alguns dos paradoxos dos dias de hoje que acabam se transformando em sintomas e ou angústias.
Na aula proposta, onde o tema seria um sem-fim de insights, discussões e debates, um conceito específico ressoou muito eternamente contemporâneo: um tema proposto por Jacques Lacan denominado Covardia Moral. Do que se trata?
O que significa Covardia Moral para Lacan?
Direto ao ponto, significa covardia de bancar o próprio desejo. Qual desejo? O desejo de cada um. Único e exclusivo de cada um. Mas existe desejo de cada um neste mundo de receitas de bolo politicamente corretas com fórmulas light, zero calorias, sem gordura, sem açúcar e sem pecado?
Interessante! Antes precisaríamos distinguir o que é moral do que é ético. Moral, segundo o professor Clóvis de Barros Filho (tem muitos vídeos no YouTube onde o professor da USP discorre sobre esse tema que é sua especialidade), moral é o que você não faz nem escondido no banheiro escuro, afinal, “Deus está te vendo”. Moral tem a ver com a sua crença de valores. Ético, ao contrário, é que você faz de correto e educado para inglês ver. Nossa sociedade é baseada em normas de ética, regras sociais gerais, enquanto a moral é subjetiva: cada um tem a sua.
Voltando a Lacan, Covardia Moral é a covardia de bancar o próprio desejo. E claro, se o desejo não for ético, é difícil mesmo bancá-lo. Certas coisas são proibidas desde que a civilização é civilização para colocar ordem na casa. Por exemplo: incesto, traição, assassinato, etc.
Mas nem tudo que é imoral, é ilegal ou engorda. A constituição da nossa moral, segundo a psicanálise, vem de casa e da cultura, do espírito do tempo em que nascemos e vivemos. Ou seja, a moral pode ser comparada ao superego, às regrinhas que criamos a nós mesmos baseados em nossa própria história de vida. E muito dessa história é a pedra no nosso caminho que impede o nosso desejo, não porque é fora de ética, mas porque é fora da nossa moral. Pode ser legal e permitida, mas, se nossos pais e nossa cultura proíbe, é mesmo muito difícil remar contra certas marés para bancar o nosso desejo.
Depressão e Covardia Moral
Aí vem o maior mal-estar da nossa civilização atual: a depressão. Depressão significa botar pra baixo, deprimir, esconder, cavar um buraco (depressão topográfica). E inibição tem a ver com depressão no sentido de inibir os desejos, escondê-los. Por isso, para Lacan, depressão é covardia moral!
Enquanto é certo que a lei se baseia na ética e no direito consuetudinário (dos bons costumes), também é certo que a moral é o julgamento que fazemos de nós mesmos, utilizando mecanismos de culpa que criamos para nos julgar e nos culpar sem dó nem piedade, e de maneira muitas vezes mais eficaz que as leis e os processos jurídicos. Freud explica isso muito bem em “O Mal-estar na Civilização.”
Olhar para a depressão é olhar para a inibição do desejo que, embora muitas vezes calado, grita em forma de sintoma, angústia, acting out e, nas piores das hipóteses, em passagem ao ato, onde faltariam recursos ao ponto de encontrar solução no suicídio e na vontade de sair de cena (morrer), uma vez que faltaram palavras para expressar a desesperança de viver o próprio desejo.
Esse é o tipo de debate que trazemos em nosso curso para uma clínica contemporânea que vê o sujeito em toda sua complexidade social, ao mesmo tempo que não tira os olhos da subjetividade constitucional que define cada um de nós.
Fonte: Freud, S. (2014). Inibição, sintoma e angústia. In P. C. Souza (Coord.), Obras completas (Vol. 17, pp. 13-123). São Paulo: Companhia das Letras. (Original publicado em 1926).