Depressão, uma das palavras mais usadas quando o assunto é saúde mental, tem muito a ver com narcisismo. Quer dizer que uma pessoa deprimida é ao mesmo tempo narcisista? Calma que o buraco da depressão é mais embaixo, ou mais em cima, dependendo do teu ponto de vista. Sigmund Freud não usou a palavra depressão em seus textos, e sim, melancolia. No livro “Luto e Melancolia”, Freud distingue um termo do outro a partir do objeto perdido na situação em questão. Muito resumidamente, no luto perde-se alguém ou alguma coisa, um sonho ou um ideal e tem-se a consciência da perda. Na melancolia perde-se o Eu, o narciso-narcisístico Eu, onde o sujeito se esfumaça junto ao seu objeto perdido.
Para as pessoas pouco habituadas com os termos psicanalíticos, parece que estamos falando grego, mas as ideias freudianas são muito mais simples do que parecem, ou fazem muito mais sentido do que se possa supor.
O que é Objeto para a Psicanálise?
Para a psicanálise, um objeto é um qualquer coisa em que o sujeito investe sua energia libidinal, digamos, sua energia de vida. Uma caneca pode ganhar o status de Objeto a partir do momento que alguém lhe denomina: “minha caneca”, “a caneca especial”, “a caneca que herdei da minha avó”. Como exemplificou nosso professor Lívio Marques Serra em sua aula “Das neuroses de transferência às neuroses narcísicas”, um objeto é qualquer coisa que tenha recebido esse tratamento especial que podemos chamar de afeto porque, de fato, afeta uma pessoa em suas memórias, em suas ideias mas, sobretudo em sua energia. Um objeto psicanalítico é, portanto, algo que recebeu um investimento pessoal.
Alguém que perde um objeto de grandeza afetiva corre o risco de perder-se a si mesmo, de desaparecer junto ao objeto perdido. Tal perda não é consciente como a que ocorre no luto, onde sabe-se qual é o motivo da tristeza. Ao perder um objeto psicanalítico, o Eu se perde na fumaça que se dissipa da perda e já não se sabe o que, ou quais partes de si, foram perdidas.
Todo investimento de objeto é um investimento narcísico porque investe-se o próprio Eu. Por isso, não é de se estranhar que quando um objeto assim investido de Eu se evapora, o sujeito cai em um estado que Freud chamou de melancolia (não de depressão), mas a ideia é a mesma, e então fala-se de neurose narcísica.
Nota-se com isso o grande desafio que é tratar depressão (ou melancolia). Tem-se algo que se perde, mas que não se sabe bem o quê. Enquanto o luto faz parte da vida, faz-se um ritual, simboliza-se a morte, o fim ou a perda e a vida segue, na melancolia simbolizar uma perda esfumaçada na névoa do inconsciente fica mais difícil. E assim é que o sujeito melancólico perde totalmente o desejo de viver porque não vê sentido nas coisas. A vida não segue e se segue é um martírio. O sujeito melancólico:
- insulta a si mesmo;
- espera sua rejeição;
- e aguarda um castigo.
O sujeito melancólico – depressivo se acha indigno, incapaz, desprezível. É o cocô do cavalo do bandido…
Depressão é Neurose Narcísica
A depressão é uma neurose narcísica porque fala de um Eu fragmentado em pedaços tão pequenos, difíceis de juntar e se reconstituir. Não se trata de alguém que narcísicamente (no sentido popular do termo) se finge de triste para ganhar holofote. Ao contrário, a neurose narcísica pressupõe uma ferida aberta em alguém sempre pronto a sangrar, que não para de escorrer e de empobrecer o seu estado de espírito. É alguém que perdeu o amor próprio, se é que algum dia o teve.
Mas então, como resolver um luto que implica que na perda de si mesmo?
Apostar e ganhar
O caminho inverso da melancolia pode ser longo, mas é cheio de possibilidades. É como olhar para um céu nublado e cinza e começar, do nada, a enxergar figuras nas nuvens. Figuras monstruosas que de repente passam a representar figuras menos horríveis, até que se possa ver algo de interessante, de estimulante e se passe a acreditar em outras realidades possíveis.
Quando a vida é uma perda certa, viver pode ser simplesmente uma aposta com pelo menos uma possibilidade de ganho (ou – por que não? – muitas possibilidades de ganho).
Se você se identificou nesse texto ou conhece alguém que parece viver um luto sem fim, procure ajuda! Entre em contato conosco. Precisamos falar sobre isso!