Estranhos a nós mesmos: Um estudo de casos clínicos atuais

Capa do Livro "Estranhos a nós mesmos" de Rachel Aviv

O que você faria, como psicanalista, se uma jovem de uns 20 anos viesse em seu consultório dizendo ter sido diagnosticada com Transtorno de Personalidade Bipolar? A possível paciente conta que foi medicada e que jogou os remédios fora, mas não tem certeza de ter feito a coisa certa.

Isso é mais ou menos o que acontece com Laura Delano, a quarta paciente descrita no livro “Estranhos a nós mesmos: Histórias de mentes instáveis” de Rachel Aviv, jornalista e repórter da New Yorker, que teve seu livro na lista dos 10 melhores livros de 2023 pelo New York Times e Wall Street Journal.

Junto com Laura, o livro apresenta outros casos clínicos interessantes de serem lidos, porque trazem uma questão muito atual: a medicalização da sociedade.

O primeiro caso, Ray, era um cara de 41 anos que tinha tudo para “dar certo na vida”, tanto é que deu. Médico nefrologista, começou a ganhar muito dinheiro como empresário em uma clínica de diálise, mas uma hora o negócio desanda e seu mundo cai. Diagnosticado com melancolia, Ray, além de médico e empreendedor, era um artista sensível e um talentoso musicista, multi instrumentista. Ele estava em luto por algo que não sabia. Seria dele mesmo?

Depois vem a história de Bapu, uma indiana, que apresenta o caso de doença mental mais grave do livro, esquizofrenia, mas tudo é muito relativo considerando as circunstâncias em que os sintomas começam a se apresentar, e todo o seu contexto cultural.

O terceiro caso, o da Naomi, é muito tocante, talvez porque está muito mais próximo de nossa realidade do que os outros. Negra e em situação de vulnerabilidade, ao tentar suicídio, comete filicídio. Era uma mente brilhante com possibilidades desperdiçadas por falta de recursos de toda monta (social, familiar, um caos total).

Por fim, a história de Hava, que Rachel Aviv conheceu na sua breve estadia em um hospital para recuperação de meninas com anorexia.

Por que ler “Estranhos a nós mesmos”?

O livro é interessante para estudar casos clínicos por sua atualidade. Nossa sociedade hoje parece ter se especializado em catalogar comportamentos e diagnosticar doenças e transtornos mentais, por meio de listas de sintomas gerais, suficientes para um diagnóstico rápido, onde talvez nem seja necessário conversar com o paciente.

O livro não traz casos psicanalíticos, mas sim psiquiátricos. Em alguns casos, e de maneira pincelada, algum psiquiatra também desempenha o papel de psicanalista, mas muito secundariamente, o que faz com que o livro seja interessante para discutir as possíveis intervenções clínicas não medicamentosas. Rachel se dedica em trazer, em todos os casos, os pacientes com seus sintomas sociais, junto aos seus pessoais. É aquela história de não usar o nome indivíduo, pois o ser humano é dividido em pelo menos três partes, é eu, super eu e inconsciente, é sujeito de seu tempo e espaço, é sujeito à sua cultura.

No geral, o que será desvendado de comum nos casos é que o título, “estranhos a nós mesmos”, não é tão estranho assim. A impressão que se tem é que as pessoas buscam um ideal de eu, e também um eu ideal, que os medicamentos prometem. Podemos ser extrovertidos e ativos, principalmente porque estas são as características que o mercado de trabalho exige: alto rendimento! Mas assim como as cirurgias plásticas deixam as pessoas iguais, os diagnósticos e medicamentos podem estar fazendo o mesmo. 

O estranho em nós acaba se incorporando e deixando de ser estranho. Mas perder a oportunidade de se estranhar não nos parece uma boa ideia.

Todos os casos do livro deixam a impressão de que uma boa conversa, social inclusive, teria resolvido casos particulares e nos ajudado a moldar uma sociedade mais acolhedora, e não reparadora rápida de problemas. Por fim, o amargo que fica é o gosto residual do remédio que decidimos tomar em nome da nossa comodidade. Todo mundo quer ser feliz, ativo e incrível. Vestir as características sociais desejadas, nem que sejam estranhas a nós mesmos, pois estas são confortáveis e fáceis de engolir. Afinal, a seco, a vida é mesmo dura. 

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