Trocando a Felicidade pela Segurança: Reflexões sobre os Capítulos 4 e 5 de ‘O Mal-estar na Civilização’

Homem rico pensando

O amor e o trabalho fundaram os laços sociais: Eros e Ananke, o amor (o desejo); e a necessidade (o destino). Assim, a família se constituiu, segundo Freud imaginou a vida dos nossos ancestrais, através do amor do marido pela mulher e desta pelos filhos. Dessa necessidade tem-se o primeiro êxito civilizacional: fazer com que um grande número de pessoas pudessem viver em comunidade.

Essa fórmula começou mal, por assim dizer, e Freud dirá no capítulo 4 de seu O Mal-estar na Civilização toda uma série de problemática constitucional que nossa sociedade enfrenta desde seus primórdios, para que possamos alcançar a felicidade, que é a motivação de vida do homem, o questionamento inicial do livro.

O amor que traria felicidade coloca o homem na situação de total vulnerabilidade, exceto se ele tiver os dotes de um santo de amar a todos, no sentido de amor incondicional (ágape) ou fraternal (philia). Esse tipo de sentimento difícil, senão impossível, é útil porque liga as pessoas da comunidade em laços de amizade que fortalecerão as relações de trabalho, pois a cultura segue a coação da necessidade econômica. Então, tem-se a dificuldade de ser feliz no amor ditado pelos moldes culturais monogâmicos e heterossexuais que fundamentam a família, e também nos laços de amizade e de trabalho que fundamentam as relações sociais.

No capítulo 5, Freud se aprofunda sobre essa dificuldade desmascarando uma ideia religiosa, romântica e idealizada de que o homem é um ser bonzinho por natureza, mas deturpado pela propriedade. O homem é, na verdade, o lobo do homem, ou seja: a gente vê o próximo não apenas como um possível amigo, colaborador ou objeto de desejo sexual, mas também como alguém para satisfazer nossos impulsos de agressão, para “explorar seu trabalho sem recompensá-lo, para dele se utilizar sexualmente contra a sua vontade, para usurpar seu patrimônio, para humilhá-lo, para infligir-lhe dor, para torturá-lo e matá-lo.”

Em outras palavras, as regras sociais e religiosas que nos “mandam” amar ao próximo como a nós mesmos, as regras que nos impedem de seguir nossos impulsos mais primitivos de amor selvagem e violência desmedida, faz com que essa frustração se volte contra nós mesmos, nos impedindo a felicidade.

Mas então, o homem primitivo era mais feliz sem essas restrições ao instinto? Provavelmente não, porque sem as regras sociais não havia a segurança de desfrutar essa felicidade por muito tempo. Nesse sentido, a civilização nada mais é, portanto, a troca de uma porção de felicidade por outra de segurança.

Agora, uma provocação: Estamos em 2024 e essas regrinhas sociais caíram bastante de moda. Hoje é aceitável o trisal (casal de 3); a homossexualidade e uma série de parafilias que há pouco tempo seriam consideradas perversões, hoje são muito respeitáveis. E temos toda uma série de norma politicamente correta, feita para que ninguém se sinta excluído socialmente, e tenha seu desejo respeitado. Por que é que com toda essa aparente mudança, a depressão é considerada o mal do século?

Freud termina o capítulo 4 com o seguinte questionamento: “Há ocasiões em que acreditamos perceber que não somente a pressão da cultura, mas também algo da essência da (nossa) própria função, nos recusa a plena satisfação e nos impele por outros caminhos”. E no capítulo 5, ele irá falar sobre “a miséria psicológica da massa”, que é o perigo posto quando a individualidade e a criatividade são suprimidas em prol da conformidade e da uniformidade.

Nos próximos três, e últimos, capítulos veremos o que de mais profundo está por trás do mal-estar na civilização.

Acompanhem!

Fonte: Freud, S. (2010). O Mal-estar na Civilização In S. Freud, Obras completas (P. C. de Souza, Trad., Vol. 18, pp. 40-53). São Paulo: Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1930)

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