Em um texto de 1919, Sigmund Freud responde a questão do título. Uma pergunta que se faz até hoje e um tema interessante para se debater nas diversas instituições de ensino, faculdades, universidades ou cursos de psicanálise.
A questão se coloca sob dois pontos de vista: o da psicanálise e o das universidades. Sob o primeiro ponto de vista, a resposta é simples e direta: a psicanálise pode tranquilamente prescindir das universidades, pois sua metodologia de ensino está bem estruturada no tripé psicanalítico: teoria, prática e supervisão.
Freud diz que aquilo que um psicanalista “necessita teoricamente, pode ser obtido na literatura especializada e aprofundado nas reuniões científicas das sociedades psicanalíticas, assim como na troca de ideias com os membros mais experientes”.
Quanto à prática, o psicanalista aprende na sua análise pessoal e ao tratar pacientes, sob aconselhamento e supervisão de colegas mais experientes.
A aprendizagem da psicanálise supõe um saber contínuo. Na verdade, isso faz com que a psicanálise seja uma arte e uma ciência sempre atualizada com seu tempo, o que muitos cursos universitários não conseguem manter.
Quanto ao segundo ponto de vista, o das universidades, claro que para um psicanalista, conhecedor da importância social da psicanálise, a inclusão dessa matéria no currículo escolar seria muito bem-vinda. Mas quem mais ganharia com isso seriam as próprias universidades se, dispostas estivessem a atribuir o devido valor à psicanálise. Freud explica isso em quatro pontos:
- Seria muito útil ensinar psicanálise aos estudantes de medicina, pois as faculdades usam um método unilateral de ensino e não falam sobre a importância dos fatores psíquicos na saúde física, abrindo espaço para qualquer charlatão (hoje, coaches) ter influência sobre os pacientes. Veja a atualidade desse discurso hoje em dia, onde se fala de doenças psicossomáticas, sobretudo as doenças de pele, as doenças autoimunes e a fibromialgia, até agora de etiologia desconhecida.
- A psicanálise poderia ser um curso de introdução à psiquiatria, que ainda hoje é, muitas vezes, uma matéria apenas descritiva, sem entendimento ou interpretação dos fatos observados e com uma etiologia apenas orgânica, com exceção de poucos psiquiatras. A psicanálise poderia ser básica para os estudantes gerais de medicina, e especializada para os de psiquiatria.
- A psicanálise tem um método próprio multi e interdisciplinar, que mistura artes, filosofia, história, sociologia, etc, sendo uma verdadeira univeristas litterarum (representa a totalidade institucional das ciências).
- A psicanálise pressupõe um saber em formação contínua. Nenhum estudante sai da faculdade sendo um profissional. Ele pode estar habilitado em alguns casos, mas é a prática que forma a profissão.
Se a psicanálise poderia ser estudada nas universidades, a resposta é claro que sim! E isso seria bom para a sociedade, sobretudo. Mas para ser psicanalista, não seria a universidade, nem um curso que a valha, a habilitar o profissional. A psicanálise está além disso, é um saber contínuo, prático, teórico e universal (no sentido forte do termo).
Fonte: Freud, S. (2010). Deve–se ensinar a psicanálise nas universidades? In S. Freud, Obras completas (P. C. de Souza, Trad., Vol. 14, pp. 377-381). São Paulo: Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1919)
Uma resposta
O tema é muito pertinente a discussão que se levantou a respeito da graduação em Psicanálise. O artigo expôs com clareza a importância da psicanálise em vários setores da saúde. Observei também que o autor trouxe a questão da formação; se forma psicanalista sustentado pelo tripé e não somente pela teoria/graduação.