Uma pergunta muito fácil de responder: Guerra porque alguém quer fazer valer a sua vontade, nem que seja à força! Simples assim, sempre foi assim, os animais fazem assim, os machos se matam entre eles para copular as fêmeas, algumas fêmeas matam seus machos em defesa dos filhos e por aí vai… o instinto de sobrevivência que destroi a si ou ao outro para mandar o DNA pra frente. Assim lhes fora ensinado filogeneticamente. Ou seja, essa é a história da evolução (ou melhor, da involução) das espécies.
Mas os homens não seriam animais. Não, ao menos, os homens iluminados pelo Iluminismo. Estes seriam dotados da razão que os levaria a tomar sábias decisões para o bem de um e de todos. Contudo, estes homens, filhos do Iluminismo, crentes do saber racional, foram os mesmos que fizeram guerras. Não uma guerra de paus e pedras como se estivessem nas cavernas, mas guerras modernas, feitas de armas e estratégias. Se os homens fossem guiados pela razão, teriam a consciência de que a guerra é um jogo perigoso, onde todos saem perdendo, ainda que se achem vencedores em algumas poucas e ilusórias vitórias. Talvez não seja, então, a razão quem os guia.
Existem hoje em curso pelo menos 9 grandes guerras, duas delas, as mais holofotizadas, poderiam culminar em uma 3ª Guerra Mundial. Nada mais involutivo e previsível para quem conhece a história da humanidade que é, sempre foi, e talvez sempre será, marcada de sangue até que retornemos à matéria inorgânica.
As cartas de Freud e Einstein sobre a guerra
Aqueles que estão familiarizados com a teoria psicanalítica, já perceberam as ideias de Sigmund Freud nessa pequena introdução. Albert Einstein, um dos gênios da humanidade, apesar de sua inteligência superior, não tinha ideia do que viria a saber quando perguntou a Freud se existiria uma maneira de frear os impulsos malignos humanos para a guerra.
Einstein sabia quem era Freud: “um apaixonado por apurar a verdade da psique humana”, assim o descreve na carta, em suas quase exatas palavras e, exatamente por isso, convidou o pai da psicanálise para, em nome do Instituto Internacional para a Cooperação Intelectual da Liga das Nações, responder a algumas questões sobre a guerra.
Agora veja bem que história incrível: A Liga das Nações, também conhecida como Liga Sociedade das Nações, foi uma organização internacional, idealizada em 1919 em Versalhes, Paris, onde as potências vencedoras da Primeira Guerra Mundial se reuniram para criar um acordo de paz, conhecido como os 14 Pontos, proposto pelo então presidente estadunidense Thomas Woodrow Wilson. Hoje, a Liga das Nações seria a ONU, um organismo supranacional teoricamente promotor da paz, mas nem precisaria dizer, falido em sua competência principal. Por que?
Por que a guerra?
Na carta de Einstein endereçada a Freud, há uma espécie de inocência do físico em apoiar a fundação de uma sociedade de homens de alto valor moral, capaz de colocar panos frios nos ânimos fervorosos dos fomentadores da guerra. Nem precisou ir longe para logo ver a impossibilidade da ideia. A Liga das Nações morreu em 1946 e hoje a ONU é o que é. Detalhe: os 14 Pontos não foram cumpridos em suas principais metas e o ex-presidente Wilson foi psicanalisado em um livro (O Caso Wilson) onde, de alguma forma, Freud ajuda a explicar os porquês da guerra.
Como livrar os homens da fatalidade da guerra?
Em 1932 Freud vai responder a carta de Albert Einstein tentando dissecar a seguinte “pergunta do milhão”: existe alguma forma de livrar a humanidade da ameaça da guerra?
A carta precisa ser lida pela riqueza da argumentação de Freud e, inclusive, por suas pitadas de ironia. Mas, para facilitar a organização de suas ideias, passamos aqui a resumir, a nosso ver, seus principais pontos:
- Freud recebe a carta de Einstein pensando se tratasse de temas menos complexos, dizendo-se incompetente para falar de questões práticas sobre a guerra, o que seria de competência de estadistas, mas se dispõe a discorrer sobre o assunto como um “indivíduo humanitário”.
- A discussão começa pela relação entre direito e poder, corrigindo o “poder” de Einstein para uma palavra mais precisa por Freud: a violência. O poder é conseguido pela violência: do pai para o filho, do homem para a mulher, do mais forte ao mais fraco e do maior detentor, ou do mais hábil em usar armas, ao menos hábil e menor detentor.
- Direito e violência não são opostos, ao contrário: “o direito é o poder de uma comunidade. É ainda violência, pronta a se voltar contra todo indivíduo que a ela se oponha”. Mas para ser direito, e não violência, é preciso que ele seja imposto pelo bem comum, como é hoje em dia: o direito comum sempre se sobrepõe ao direito singular, e aí está o famoso “pulo do gato”.
- O reconhecimento de uma comunidade (a união faz a força) seria capaz de superar a violência “mediante a transferência do poder para uma unidade maior, que é mantida por vínculos afetivos entre seus membros”. As leis determinariam até que ponto o indivíduo deve renunciar à sua liberdade pessoal em nome de uma coexistência social segura. Mas o direito da comunidade é, por si só, a expressão das relações desiguais de poder em seu interior, então, as leis, que são feitas por e para os que dominam, sempre reservam poucos direitos para os dominados. Isso gera uma mobilidade social sempre em busca dos direitos: um dia do caçador, outro da caça, e essa dinâmica não tem fim.
- Exatamente por isso, a guerra não consegue promover a paz, pois “os resultados de uma conquista normalmente não são duradouros; novas unidades tornam a se dissolver, em geral devido à falta de coesão das partes unidas violentamente”.
- A prevenção da guerra seria possível se os homens conseguissem se unir em uma instituição de um poder central, como a Liga das Nações, mas ela nunca teria o poderio necessário, pois nunca seria reconhecida pelos seus membros. Por que? Porque cada povo, grupo ou família se acha melhor que o outro. E não seria no fundo este, o motivo das guerras? O Nazismo explica, mas não só…
- A questão colocada por Freud vem das nossas entranhas: “os instintos humanos são de dois tipos apenas: os que tendem a conservar e unir e os que procuram destruir e matar. Cada um desses instintos é tão indispensável quanto o outro, é da atuação conjunta ou contrária de ambos que surgem os fenômenos da vida”.
- O prazer na agressão e na destruição é tão verdadeiro quanto o prazer de amar e unir. É como dizer que o ser vivo conserva sua própria vida ao destruir a vida alheia e, assim sendo, não há perspectiva de abolir as tendências agressivas do homem, um ser ambivalente por natureza.
- Ao final da carta, uma grande ironia de Freud quando ele diz ter ouvido falar de regiões felizes da Terra onde não existem coerção nem agressividade: “Tenho dificuldade em crer nisso, gostaria de saber mais a respeito dessas criaturas felizes. Os bolchevistas também esperam fazer desaparecer a agressividade humana, garantindo a satisfação das necessidades materiais e, de resto, instaurando a igualdade entre os membros da comunidade. Considero isso uma ilusão. Por enquanto se acham cuidadosamente armados, e um importante recurso para manterem unidos os seus seguidores é o ódio a todos os demais.”
- Como “remédio” contra a guerra, Freud diz: “Se a disposição para a guerra é uma decorrência do instinto de destruição, então será natural recorrer, contra ela, ao antagonista desse instinto, a Eros. Tudo que produz laços emocionais entre as pessoas tem efeito contrário à guerra.”
Por fim, Freud que é considerado pessimista (na verdade um realista) tem um lapso de otimismo, afinal ele é filho do Iluminismo. Freud acredita que “tudo o que promove a evolução cultural também trabalha contra a guerra.”
É como se o homem que deu inteligência ao inconsciente nos chamasse à consciência: racionalizemos com a famosa frase de Albert Einstein:
“Não sei como será a terceira guerra mundial, mas sei como será a quarta: com pedras e paus.”
Fontes: