DE FREUD A LACAN: MARCAS DO ÉDIPO NA EXPERIÊNCIA DO SUJEITO

Édipo e a Esfinge, ilustração de 1879 da Stories from the Greek Tragedians de Alfred Church/Wikipedia

Natália Rosário

Natália Rosário

Psicanalista formada pelo Instituto La Lettre no ano de 2025, Graduada em Business Administration pela Bemidji State University, Pedagoda pela UFSCar e Pós-Graduada em Gestão Educacional pela Universidade Federal de Itajubá.

Resumo

O Complexo de Édipo, um dos pilares conceituais da psicanálise, foi inicialmente formulado por Sigmund Freud e posteriormente revisitado por Jacques Lacan. O artigo “De Freud a Lacan: Marcas do Édipo na experiência do sujeito” explora as dimensões freudianas e lacanianas desse conceito, destacando sua permanência e transformação na teoria e na clínica psicanalítica. 

Palavras-chave: Freud; Lacan; Complexo de Édipo; Nome do-Pai.

1. O Édipo segundo Freud 

Freud, em “A Interpretação dos Sonhos”, explica que o mito de Édipo-Rei continua a comover o homem moderno porque a situação que o mito apresenta ainda fala de maneira intensa e universal. Ele diz: 

Se o Édipo rei consegue abalar o ser humano moderno tanto quanto os gregos contemporâneos, isso só pode se dever ao fato de que o efeito da tragédia grega resulta não do contraste entre destino e vontade humana, mas da peculiaridade do material que serve para demonstrar esse contraste (FREUD, 2010).

Ele afirma que cada ouvinte foi um dia, em fantasia, um Édipo:

Seu destino nos comove apenas porque poderia ter também o nosso, porque o oráculo pronunciou a mesma maldição contra nós antes mesmo de nascermos. Todos éramos talvez predestinados a voltar nosso primeiro impulso sexual para a nossa mãe e nosso primeiro ódio e desejo violento contra o pai; nossos sonhos nos convencem disso (FREUD, 2010). 

Com isso, o autor já deixa claro que todos passarão por esta fase do desenvolvimento infantil e terão essa fantasia. Segundo Moreira (2004), “Será a partir do Édipo que o sujeito irá estruturar e organizar o seu vir-a-ser, sobretudo em torno da diferenciação entre os sexos e de seu posicionamento frente à angústia de castração”.

Na teoria freudiana, o Complexo de Édipo representa um momento central do desenvolvimento psicossexual da criança, situado principalmente na fase fálica, entre os três e os cinco anos de idade. Nesse período, o sujeito em constituição vivencia intensamente sentimentos ambivalentes: desejo amoroso pelo genitor do sexo oposto e rivalidade hostil com o genitor do mesmo sexo. Freud (2016) diz:

O complexo de Édipo é o complexo nuclear da neurose, que constitui a parte essencial do seu conteúdo. Nele culmina a sexualidade infantil, que, por seus efeitos ulteriores, influi decisivamente na sexualidade do adulto. Cada novo ser humano enfrenta a tarefa de lidar com o complexo de Édipo.

A resolução do complexo se dá através da renúncia ao desejo incestuoso e da aceitação da autoridade paterna. Essa renúncia, contudo, não é simples. Nasio (2005), em seu livro “Édipo – O complexo do qual nenhuma criança escapa”, mostra que o menino passa por um processo com algumas fases ligadas à sexualização dos pais. Por ter o Falo, ele acredita em sua fantasia que é um ser onipotente. Assim, a criança do sexo masculino pode ter três desejos: possuir o corpo de sua mãe, ser possuído pelo corpo de seu pai, ou suprimir o corpo de seu pai. Ao deparar-se com o fato de que a mulher é desprovida de pênis, nascem as fantasias de angústia. Diante destas angústias (de ser castrado pelo pai repressor, sedutor ou rival), o menino recalca suas fantasias e aceita que a mãe não pode ser seu objeto de desejo, tendo os genitores como objetos de identificação. 

Na menina, o processo tem mais uma etapa, pois, segundo Freud, existe uma fase pré-edipiana. Assim como o menino, ela se sente onipotente devido às sensações clitorianas. No entanto, ao deparar-se com a falta do pênis, sua fantasia de poder não é mais a mesma. Ela sente a privação e a dor de perder o falo. A menina busca refúgio em seu pai, pois ele é o detentor do “grande falo”. Perante a recusa do pai, que não lhe entrega seu falo, ela busca ser o falo para ele. Neste sentido, a mãe passa a ser o exemplo com a qual a menina se identifica. Ela então dessexualiza o pai e se torna aberta para, no futuro, poder amar um homem.

Quando o menino e a menina renunciam a seus desejos incestuosos e se identificam com um de seus genitores, nasce o Superego. Em seu artigo “Édipo em Freud: o movimento de uma teoria” Moreira (2004) afirma que:

A introdução do conceito de identificação não é apenas um mecanismo psicológico, mas uma operação pela qual o indivíduo humano se constitui; sendo um processo central na constituição e transformação do sujeito, trará, como consequência, a produção do conceito de superego.

Em Eu e o Id (2011), Freud afirma que o Superego é “sem dúvidas herdeiro do Complexo de Édipo”. É esta instância que vai fazer com que o sujeito observe as leis, as siga, cumpra com seus deveres, culpando-se e punindo-se em alguns casos. Em seu artigo, Moreira (2004) ainda comenta: “O superego resulta de um processo identificatório com a lei, da qual o pai é o representante”.

2. O Édipo para Lacan

Jacques Lacan, que sempre baseou seus estudos nos escritos de Freud, não ignora o Complexo de Édipo, mas traz uma visão diferente para este conflito. Sua visão se concentra no lugar ocupado no campo simbólico, trazendo à luz o “Nome-do-Pai”. Para ele, o Édipo não é apenas algo vivido em um ambiente familiar, mas sim uma estrutura simbólica que organiza a subjetividade humana.

Deste modo, o Édipo é uma experiência de entrada em um sistema de significados que regem o mundo. Segundo Lacan (1995) “percebeu-se então que um Édipo podia constituir-se muito bem, mesmo quando o pai não estava presente”, por isso ele se refere a uma função simbólica.  

Lacan observa que, no início da vida, o bebê tem uma relação muito íntima com a mãe. O bebê deseja sua mãe e acredita que o mundo dela gira em torno dele. No entanto, o desejo da mãe vai além do novo integrante da família. É neste momento que a figura paterna entra para barrar a mãe de desejar somente o bebê. 

O pai […]interdita a mãe. Esse é o fundamento, o princípio do complexo de Édipo, é aí que o pai se liga à lei primordial da proibição do incesto. É o pai,  recordam- nos, que fica encarregado de representar essa proibição (LACAN, 1995). 

Segundo Lacan, o desejo da mãe encontra seu limite na função paterna. É importante ressaltar que não é necessário um pai biológico, mas sim que alguém, um terceiro, assuma essa função paterna de barrar a fusão do bebê com o Grande Outro, que é sua mãe. Lacan chama essa função simbólica de “Nome-do-Pai”. 

Segundo Lacan, a função fundamental do Édipo aparece como coextensiva à função paterna, mas a função deve ser entendida como algo radicalmente distinto da presença ou da ausência do pai na família. Lacan faz uma distinção entre o papel social do pai, que estava em declínio – já apontado por ele desde 1938 em “Os complexos familiares na formação do indivíduo -, e a função lógica do pai para a psicanálise.” Os fundamentos sobre a função do pai são relacionados à fala, à linguagem, como constitutivos da subjetividade (COSTA, 2010).

O “Nome-do-Pai” barra a fusão do bebê e da mãe, impondo um limite nesta relação, assim como a cultura, a linguagem e a sociedade. Com essa negação de ter a mãe para si, a criança vê que seu desejo não será totalmente satisfeito. Isso a leva a desejar outras coisas, passando a enxergar algo além da relação materna. 

Lacan coloca a linguagem como um elemento central para a constituição do sujeito. Segundo ele, o sujeito só se torna sujeito quando entra no campo simbólico da linguagem, ou seja, quando começa a compreender o mundo através de signos, palavras e regras que são transmitidas socialmente. É nesse contexto que o Édipo ganha um novo significado: ele é a passagem do sujeito para o mundo simbólico, onde a criança deve aprender a aceitar a proibição e se conformar com a ideia de que seu desejo não pode ser completamente satisfeito. Segundo Lacan (1995), o Édipo é compreendido como metáfora paterna, que introduz a lei no desejo. 

3. Os três tempos do Édipo em Lacan

Lacan divide o Édipo em três momentos principais: 

Primeiro tempo: O bebê sente que a mãe o enxerga como seu falo. Na visão do recém-nascido, o mundo de sua mãe gira somente ao seu redor e ele fantasia que é a única coisa que ela deseja. 

Segundo tempo: O pai, ou uma figura que exerça a função paterna, entra em cena. Segundo Lacan (1995), em seu Seminário 4 ressalta que:

O pai simbólico é o nome do pai. Este é o elemento mediador essencial do mundo simbólico e de sua estruturação. Ele é necessário a este desmame, mais essencial que o desmame primitivo, pelo qual a criança sai de seu puro e simples acoplamento com a onipotência materna. O nome do pai é essencial a toda articulação de linguagem humana.

A função do pai é essencialmente simbólica, e por meio do Nome-do-Pai, ele impõe a Lei. Ao perceber a presença de um outro na relação, o bebê percebe que a mãe pode desejar algo ou alguém que não seja ele. Neste momento, o pai barra a fusão bebê-mãe, impondo um limite e iniciando a castração simbólica.

Aqui surge o Nome-do-Pai com sua função simbólica de regular o desejo da criança, inserindo-a em uma sociedade com suas regras e limites. Segundo Lacan (1995), a função do Nome-do-Pai é introduzir o sujeito no campo do significante, delimitando o desejo do bebê e inscrevendo-o no campo simbólico.

Terceiro tempo: O Nome-do-Pai passa a ser um significante fundamental e organiza a subjetividade do sujeito. Ele insere o sujeito no mundo da linguagem, mostrando-lhe a ordem que rege a sociedade, impondo-lhe limites e castrando-o de seu desejo incestuoso. Se não lhe é permitido desejar sua mãe, só resta ao sujeito passar a desejar outras coisas, utilizando a linguagem como meio de se relacionar com o outro. A partir deste “corte”, o sujeito pode se constituir, criando novas possibilidades para si.

4. O Édipo nos dias de hoje

Ao acompanhar e refletir sobre as ideias de Freud e Lacan, fica claro que o Complexo de Édipo continua sendo uma das bases da psicanálise, mesmo com as diferentes abordagens que cada autor propõe. Para Freud, o Édipo é o momento em que a criança organiza sua sexualidade, suas relações afetivas e seu próprio psiquismo (FREUD, 2011). Já Lacan, sem desconsiderar a contribuição freudiana, desloca o Édipo de um drama familiar para uma estrutura simbólica, sublinhando que é pelo Nome-do-Pai e pela entrada na linguagem que o sujeito se constitui (LACAN, 1995).

O que atravessa ambos os autores é a percepção de que o Édipo não é apenas algo do passado infantil, mas continua moldando a vida psíquica e as relações do sujeito com o mundo. Nasio (2005) lembra que nenhuma criança escapa ao Édipo e, por consequência, nenhum adulto está completamente fora de sua influência.

Nos dias de hoje, o Édipo pode aparecer de formas diferentes, mas sua função permanece: mostrar limites, mediar desejos e organizar a subjetividade. Na clínica, perceber esses efeitos ajuda a entender como o sujeito se relaciona com a cultura, com a lei e com os outros, e como lida com a renúncia e a identificação.

Revisitar Freud e Lacan é perceber que o estudo do Édipo é o aprofundamento do próprio processo de constituição do sujeito. Mais do que abordar uma teoria, esta reflexão é convidativa a continuar pensando, escutando e aplicando esses conceitos na prática clínica, reconhecendo que o Édipo, mesmo hoje, ainda está presente em cada experiência de desejo, de limite e de encontro com o outro.

Referências bibliográficas

COSTA, Teresinha. Édipo. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. FREUD, S. O Eu e o Isso. In:

FREUD, S. Obras completas. v. 16. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. 

FREUD, S. A Interpretação dos Sonhos: II (1900-1901). In: FREUD, S. Obras completas. v. 5. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade; Análise fragmentária de uma histeria (“O caso Dora”) e outros textos (1901-1905). Tradução de Paulo César de Souza. Obras completas, v. 6. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. 

LACAN, J. O Seminário, Livro 3: As Psicoses. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. 

LACAN, Jacques. O seminário, livro 4: a relação de objeto (1956-1957). Rio de Janeiro: Zahar, 1995.

LACAN, Jacques. O seminário, livro 5: as formações do inconsciente (1957-1958). Rio de Janeiro: Zahar, 1999.

LACAN, Jacques. O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

MOREIRA, Jacqueline de Oliveira. Édipo em Freud: o movimento de uma teoria. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 9, n. 2, p. 219-227, ago. 2004. DOI: 10.1590/S1413-73722004000200008.

NASIO, J-D. Édipo: o complexo do qual nenhuma criança escapa. Tradução de André Telles. São Paulo: Escuta, 2005.

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