
Marlete Lins
Psicanalista formada pelo Instituto La Lettre em 2025, Graduada em Ciências pela UNESF– FUNESO – Olinda – PE, Especialista no Ensino Prático de Biologia – UNICAPE.
Resumo
Ao explorar a relação entre o luto e a perda, na perspectiva da Psicanálise, pode-se observar que quando uma carga energética libidinal envolve um sujeito em relação a um objeto, e esse objeto é, de alguma forma, perdido, grande pode ser o abalo no psiquismo desse sujeito. O luto envolve todo um processo de elaboração relacionado à libido que estava investida, e que precisa ser reinvestida/redirecionada, após a aceitação dessa perda. A dificuldade de se desvincular de um objeto deve ser levada em consideração e, principalmente, a forma com a qual cada sujeito interpreta essa realidade por meio da sua subjetividade. O tempo que se leva para elaborar esse luto, difere de sujeito para sujeito, o que pode constar de períodos depressivos ou de ansiedade; o que é, para muitos, a porta de entrada para a clínica psicanalítica. Assim, busca-se compreender como a Psicanálise pode ajudar o sujeito a lidar com o luto, analisando os conceitos freudianos acerca das causas, manifestações e consequências dos estados psíquicos mais comuns vivenciados pelo sujeito enlutado, por intermédio de um olhar que sempre convoca a clínica psicanalítica, ao longo dos tempos, a contemplar esses casos.
Palavras-chave: luto; melancolia; perda; libido; clínica psicanalítica.
Sobre o luto
O Ensaio publicado por Sigmund Freud em 1917, escrito em 1915, “Luto e Melancolia”, distingue duas experiências psíquicas aparentemente semelhantes. É um texto emblemático que trata de sentimentos profundos que causam grandes e distintos impactos na estrutura psíquica do sujeito que os experimenta. Ambos envolvem a perda de um objeto amado, seja uma pessoa, um ideal ou uma identidade. O modo, todavia, como a psique lida com essa perda varia, consideravelmente, de sujeito para sujeito. Freud define o luto como uma reação à perda de algo ou alguém de grande valor, um processo natural de adaptação psíquica que envolve a elaboração de uma perda e que jamais dever ser visto como uma doença.
“Confiamos em que será superado após certo tempo, e achamos que perturbá-lo é inapropriado, até mesmo prejudicial” (Freud, 2010, 172).
Trata-se, assim, de um processo natural que, embora possa afastar o sujeito das suas atividades habituais, passará após a sua elaboração.
O luto sempre ocorre a partir de um evento traumático, alguma perda, não necessariamente pela morte de um parente ou de alguém muito significante, mas pode se referir à perda de um emprego, o afastamento de um amigo ou uma separação conjugal. Ao vivenciar um desses eventos, o sujeito pode responder de uma forma mais saudável, mais natural. Supondo que uma pessoa tenha perdido seu irmão mais querido, vítima de uma doença grave, durante um tempo, há um recolhimento, um período de afastamento das atividades costumeiras e do convívio social. Nesta fase, o choro é comum ao se reviver as lembranças da convivência com aquele irmão. É natural e desejável que, depois desse período, aos poucos, a pessoa vá elaborando este episódio doloroso e voltando à sua rotina.
Eventos como esse, ocorrem inúmeras vezes na vida do sujeito, e estão diretamente relacionados com a libido, que é a energia psíquica que impulsiona o ser humano. Quando o sujeito se depara com algo que lhe dá satisfação, há um investimento de libido sobre esse objeto, seja ele uma pessoa, um trabalho ou uma atividade esportiva. Assim, quando há uma perda ou o afastamento desse objeto, essa libido, investida no objeto em foco, fica sem lugar. O processo de luto consiste em fazer com que essa libido retorne para o sujeito para ser, novamente, direcionada a outro objeto. Dessa forma, o sujeito pode seguir o curso da vida, pronto para outras experiências e outros trabalhos de luto.
Esse trabalho de luto consiste em renunciar a um determinado caminho de prazer que estava montado, renunciar a uma relação amorosa que estava estabelecida, renunciar a uma amizade de longa data que já contava com a confiança. No luto o sujeito é convidado a ressignificar todo o investimento libidinal que havia sido dedicado ao referido objeto. Por conseguinte, quando o sujeito elabora essa separação, ele está pronto para reinvestir a sua energia psíquica em outros objetos, pessoas, ideais, causas e situações.
Sobre a melancolia
Na melancolia, o sujeito apresenta um estado de ânimo profundamente doloroso, a ponto de ser descrito como dilacerante. É um processo que se diferencia do luto pelo fato do sujeito perder sua autoestima, levando-o a desferir ofensas contra si mesmo, como se simulasse um ato de punição.
“A melancolia se caracteriza, em termos psíquicos, por um abatimento doloroso, um desinteresse pelo mundo exterior, perda da capacidade de amar, inibição de toda atividade e diminuição da autoestima” (Freud, 2010, p.172).
A melancolia caracteriza-se psiquicamente por um estado de ânimo profundamente dolorido, pela suspensão do interesse pelo mundo externo, pela perda da capacidade de amar, pela inibição geral das capacidades de realizar tarefas e pela depreciação do sentimento por si mesmo. O sujeito não sabe dizer o que perdeu, descreve um vazio no qual nada o preenche, atestando uma escuridão interminável. Mesmo que o sujeito seja consciente da perda, ele não saberia dizer o que perdeu, dada a íntima identificação com o objeto perdido. Há toda uma problemática da ausência combinada a uma presença maciça do objeto, dentro de si.
A grande diferença entre luto e melancolia, é a forma como a estrutura psíquica do sujeito responde ao evento traumático. Seguindo com o exemplo supracitado, no qual a ocorrência se refere à perda de um irmão. Nesse sentido, um outro irmão pode receber o fato de maneira tal, que a dor é insuportável, pois ele não consegue explicar o que perdeu. Há, nesse caso, uma identificação com o objeto perdido, como se ambos se fundissem e o sujeito sucumbisse, se depreciasse e se culpasse, entrando num processo de morte.
Por infligir nele mesmo uma culpa excessiva num movimento de autodestruição, isso se difere do luto, pois há uma identificação do sujeito com o objeto perdido, o que faz com que o mundo interno se perca. A sombra do objeto perdido recai sobre o ego, e este passa a ser visto como objeto, o que permite ao sujeito investir, sobre si mesmo, os afetos que seriam direcionados ao objeto amado, depreciando seu próprio eu, agredindo a sua autoestima. Sendo assim, há uma dificuldade enorme de se desvencilhar desses sentimentos, e o sujeito passa a vivenciar uma dor interminável.
Sobre a clínica
No setting analítico acolhe-se frequentemente pessoas que chegam angustiadas, sentindo um imenso vazio, uma sensação de insignificância, um quadro que coincide com um estado de profunda dor, de abandono de si, de desinteresse pelas atividades cotidianas e depreciação do próprio ser; um quadro de melancolia.
O melancólico, neste sentido, tem uma sensação de desvalia do eu, com uma dor moral, uma dor de existir, um sentimento de culpa e de autopunição, tudo isso gira em torno de um objeto perdido.
Para a Psicanálise, o sintoma é o meio que o sujeito encontrou, para poder continuar seguindo o curso da vida, para se constituir como sujeito, em que pesem os sofrimentos. O sujeito melancolizado se apresenta pouco disposto a investir, a apostar no mundo e na realidade externa, a perseguir os seus sonhos apostando em novas possibilidades. Se sente impedido de falar acerca do seu estado, sem perspectivas de futuro. Assim, pergunta-se: qual o caminho a escolher? O que pode levar o sujeito a pensar na sua dor, a mudar de posição em relação ao seu próprio sofrimento?
Dessarte, a melancolia é um estado no qual a dor é descrita como maior que tudo, maior até que a vontade de viver, na qual o sujeito é capaz de depreciar o próprio eu, desferindo afetos que, segundo Freud, seriam, possivelmente, direcionados ao objeto perdido, como uma forma de manter o laço de uma presença sempre ausente. Dirá o pai da psicanálise que:
“Ouvindo com paciência as autoacusações de um melancólico, não conseguimos, afinal, evitar a impressão de que frequentemente as mais fortes entre elas não se adequam muito a sua própria pessoa, e sim, com pequenas modificações, a uma outra, que o doente ama, amou ou devia amar” (Freud, 2010, p.179).
Nesse luto infinito é o movimento no qual o sujeito pode se colocar à sombra do objeto, assumindo a sua forma. É quando o sujeito internaliza o objeto numa relação nomeada por Freud, identificação narcísica, que não se permite que o sujeito separe o objeto perdido de si mesmo. Na internalização do objeto amado, os afetos não encontram outro alvo, senão o próprio sujeito. Tudo isso ocorre, segundo Freud, pelo deslocamento da libido que era investida naquele objeto que fora perdido e que, após a sua perda, foi internalizado, não podendo ser reinvestido.
Com isso, a libido recua para o eu, mas desta vez contra o sujeito, causando todo esse estado de dor e de perda de si mesmo, o que consiste na manifestação patológica do luto.
“Desse modo a perda do objeto se transformou numa perda do Eu, e o conflito entre o Eu e a pessoa amada, numa cisão entre a crítica do Eu e o Eu modificado pela identificação” (Freud, 2010, p.181).
É quando o luto se eterniza e o sujeito melancólico acaba por ser aquele incapaz de encontrar o caminho de volta a um porto seguro, para vislumbrar um novo caminho a seguir, rumo a outros objetos de desejo.
Considerações finais
O presente estudo propôs uma breve releitura do texto “Luto e Melancolia” de Sigmund Freud, explorando o tema de forma singela, buscando entender os mecanismos que levaram o autor a observar os mecanismos de enfrentamento da dor da perda e a compreender que nem todos conseguem lidar com a perda, seja ela repentina ou esperada. O luto tem um papel crucial na vida do sujeito, tendo em vista que não é possível viver sem perder, pois, a qualquer momento se pode ser surpreendido por uma perda e, quando se perde algo, também se perde algo de quem se é. Contudo, diante do objeto perdido, nota-se que este nunca será perdido por completo, pois, a qualquer momento, um cheiro, uma recordação, uma música, um ruído, um sabor, algo poderá trazer a lembrança daquele objeto amado e reacender a sua presença. O luto é algo inerente ao ser humano, e será inúmeras vezes, vivenciado, elaborado, transposto e, após o término do seu trabalho, haverá espaço para um novo investimento de libido em novos objetos. Na melancolia o trabalho não se completa, o sujeito vive um luto sem fim, uma dor corrosiva e estranha que o leva a depreciar e punir a si mesmo, sendo esse o único meio de expressar os afetos em relação àquele objeto que, internalizado, passou a fazer parte de si mesmo.
Referência Bibliográfica
FREUD, Sigmund. Luto e melancolia (1915). In: FREUD, Sigmund. Obras completas volume 12: introdução ao narcisismo, ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916). Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. v. 12.




