O primeiro paciente a gente nunca esquece

Um novelo de linha desfeito

Tem uma certa idade quem se lembra de uma propaganda que dizia que o primeiro sutiã a gente nunca esquece. Frase de efeito, de fato, as experiências marcantes da nossa vida são mesmo inesquecíveis. E foi assim comigo quando ouvi a minha primeira paciente.

Ela era um emaranhado de pensamentos e sentimentos contidos em uma espécie de novelo de linha desfeito. Ela abundava em palavras. Ela falava mais que o homem da cobra. Se as coisas fossem como na época do Freud, eu a ouviria todo dia – ou quase – e ainda assim haveria conteúdo para meses ou anos de falatório.

Eu não me preocupei em entender tudo, em pescar tudo o que escorria daquele rio de histórias, apenas tive a certeza de que certos fragmentos voltariam, assim como outros, aqueles mais profundos que não vieram à tona naquele primeiro encontro, devagar-devagarzinho subiriam à superfície das águas como criaturas abissais, que cansadas do escuro, buscam a luz.

A paciente era para mim uma promessa de análise. Apenas uma promessa porque sabemos que, uma vez começada, uma outra promessa poderia pairar sobre as sessões: o abandono, essa palavra que um pouco me lembra a abundância, por causa dessa letra b que antecede a d e que dá um tom redondo com a n, e me sugere que quem abunda (de sentimentos e pensamentos emaranhados) corre o risco do abandono. Uma espécie de neurose de destino que termina num “eu abandono antes de abundar, de transbordar e ser abandonada”…

Mas todas essas questões que me colocariam a pensar, a ansiar ou a me preocupar, ao contrário, me trouxeram paz de espírito. Como se eu soubesse estar vivendo naquele instante, em uma daquelas experiências inesquecíveis que nos marcam para sempre.

Aquilo era tudo o que eu tinha. Mas havíamos marcado a próxima conversa.

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