No mundo onde ninguém escuta ninguém, a Psicanálise é fundamental

Solidão

Considere o seguinte diálogo:

– Como vai o novo trabalho?

– Não gosto. Não suporto, mas preciso trabalhar.

– Ah você não sabe o quanto eu odiava o meu trabalho!

Um outro diálogo similar:

– Como você está?

– Péssimo! Sinto dores por todo o corpo…

– Eu também estou cheio de dores, me dói a cabeça, o dedão do pé e até o cabelo…

Num mundo onde ninguém escuta ninguém, a psicanálise é fundamental! As pessoas estão cada vez mais voltadas a si mesmas, ensimesmadas como se diz. Os poucos diálogos que conseguimos ter se referem aos narcisos de cada um, o que vira uma discussão sobre quem sofre mais, quem viaja mais, quem compra mais, enfim…

A psicanálise não só é um lugar de escuta como o lugar da escuta diferente, que foge do senso comum, das receitas de bolo, das sugestões e dos conselhos.

Muitas vezes a gente só precisa falar, desembuchar. Livrar-se de uma palavra que ficou engasgada porque educadamente não podemos mandar o mundo pr’aquele lugar.

A psicanálise faz eco à própria voz. O discurso retorna e retoma um novo fôlego. Talvez mude de assunto e se reelabore. Essa é a ideia.

Outro dia eu li em uma camiseta a seguinte frase: “Eu não quero solução, eu só quero reclamar”. Achei a frase um resumo do que pode ser uma sessão de psicanálise, onde o lamento tem lugar e não recebe uma resposta do tipo solução ou, pior, um resposta narcísica do tipo: “mas eu no seu lugar…”

Esse tipo de diálogo que se vê hoje em dia me ressoa muito como um sinal da falta de ter com quem conversar, de ter alguém que te escute, alguém que, pelo menos aparentemente, se importe contigo. Essa falta não raramente se reverte em sintomas de depressão, ansiedade, baixa autoestima… A impressão que temos é que o mundo está cada vez mais egoísta e difícil para o animal social que é o homem.

Junte-se a isso o fato de a psicanálise ser um lugar da escuta sem julgamento. Se um psicanalista te der notas sobre o seu comportamento, duvide da sua formação. A psicanálise é, por suposto, uma escuta sem julgamento porque tem-se a priori que ninguém sabe de nada, nem o próprio sujeito sabe de si. O paciente (ou o psicanalisando) acha que sabe alguma coisa sobre si: “sou uma pessoa boa”, “sou um neurótico”, “sou um borderline”. Ele chega com convicções que vão se esfarelendo como um muro feito de tijolo de quinta qualidade, para ser reconstruído graças exatamente ao não julgamento do psicanalista que sabe não saber, enquanto o psicanalisando acredita que ele sabe alguma coisa. Parece brincadeira de esconde-esconde, mas é exatamente assim, porque um verdadeiro processo de descoberta, qualquer descoberta que seja, implica na ideia do não saber, do desconhecido, esse que não se apressa em fazer comparações: “mas eu mais”, nem a dar receitas: “mas você deveria”.

É por isso que a psicanálise segue viva, graças à grandeza da humildade da ignorância, embora esteja suposto um saber, que será, porém, revelado no tempo e no espaço que for permitido à voz vaguear livremente… sem julgamentos, apenas no eco de quem quer falar e ser ouvido.

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