Como vimos no capítulo 2, para ser feliz é preciso encontrar uma fórmula feita sob medida e por si próprio, pois da civilização, segundo Freud, podemos esperar pouco e nada. A civilização é, por assim dizer, o conjunto de avanços técnicos, científicos e de normas que criamos para dominar a natureza e regulamentar nossas relações sociais, a fim de evitarmos catástrofes e dissabores.
Tudo o que nos afasta dos nossos bárbaros antepassados, que se matavam, se canibalizavam, eram sujos, desorganizados, viviam sob a regra do mais forte e do olho por olho, dente por dente… tudo o que nos difere disso seria civilização.
O alto nível civilizatório de um país se reconhece por sua capacidade de dominar os meios e técnicas de produção e de se proteger frente às forças da natureza. Mas também pela sua beleza, limpeza e ordem, critérios absolutamente civilizatórios criados sob a supressão e a repressão dos nossos instintos (pulsões), pois o organismo e a psique humana, que também são parte da natureza, devem ser domados, civilizados.
Mas nós ainda fazemos guerras, veja bem, por acreditarmos que somos uns melhores que outros. A guerra, disse Freud em sua famosa carta a Einstein, parece muitas vezes ser uma desculpa para colocar em ato as pulsões destrutivas do homem. Podemos dizer que a tal civilização, no final das contas, não trouxe assim tanta civilidade, pois as piores barbáries humanas aconteceram sob a égide civilizatória: o nazismo, o colonialismo, a inquisição e outras barbáries não são coisas dos “homens das cavernas”.
Por que as instituições por nós mesmos criadas não foram capazes de nos proporcionar proteção e bem-estar? Essa é a pergunta que Freud nos coloca no capítulo 3 do seu “O mal-estar na civilização”. E a resposta, (por enquanto) é simples: por que nunca dominaremos a natureza.
Freud disse isso em 1930 e em 2024 estamos desesperados porque, não apenas não dominamos a natureza, como demos vida a algo cuja natureza desconhecemos: a inteligência artificial.
Tampouco dominamos o nosso corpo e, além disso, as leis que criamos para regulamentar nossas relações sociais não deram muito certo. Criamos desigualdades abissais, as leis não são para todos e as nossas relações nunca estiveram tão desrespeitosas. Não à toa vira e mexe se ouve “sociedade narcisista” no sentido de cada um por si.
Até aqui, não dominamos a natureza, nem a nossa própria natureza, e nunca a dominaremos completamente. O porquê disso será discutido nos próximos capítulos.
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Fonte:
Freud, S. (2010). O Mal-estar na Civilização In S. Freud, Obras completas(P. C. de Souza, Trad., Vol. 18, pp. 29-40). São Paulo: Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1930)